POR UM MÍNIMO DE HUMANITARISMO NO COTIDIANO COMPLEXO
Na
rodoviária de uma cidade do Planalto Norte Catarinense, à noite, um homem,
cinquentão, dormia no chão gelado, tremendo de frio, com as mãos no meio das
cochas. Um fiscal o acordou aos chutes. Fídias foi lá. Ignorou o fiscal. Tirou
a jaqueta e deu ao homem e um pouco de dinheiro sugerindo-lhe beber um café com
pão. O fiscal olhou-o, morto de vergonha. O homem saiu por ali, tonto. Fídias
perguntou-lhe onde iria dormir. Ele olhava as estrelas e pediu que não se
preocupasse. A noite toda Fídias ficou pensando: - onde vai dormir aquele
homem!
Não
é só a pobreza, porém, que incha de amargura as almas humanas. Ele se lembra de
um endinheirado coronel da polícia, de uma dessas capitais, que lhe procurava
em busca de socorro existencial: era “traído” pela esposa, fazia que não sabia.
E lhe perguntava:
“-
Se eu deixá-la, professor, o que vai ser de mim? Meus filhos sumiram no mundo,
só tenho ela para me ouvir e deitar. O resto da minha vida é só estresse,
violência, mortes. E eu já estou ficando velho e doente. Tenho que fazer que
não sei. Temo me matar”.
Fídias
lhe deu um conselho que havia dado a uma sobrinha, por volta de uns 35 anos
atrás. Disse-lhe que, muitos motivos levam alguém ao suicídio. Mas há uma
penúltima coisa a fazer, esta pode salvar a pessoa da depressão e da morte.
Então, tente realizar esta penúltima coisa, pois o máximo que pode ocorrer é a
pessoa morrer. Mas ela não já ia morrer!?
No
caso do coronel, uma outra mulher pode mudar todo o quadro existencial dele
para melhor. Sem esta outra mulher, ele caminha melancolicamente para a morte;
sem ter tentado nada fazer. Uma outra mulher, dar-lhe-ia cinquenta por cento de
probabilidade de adocicamento da vida. Paralisado, só uns dois a três por cento
de probabilidade de sair do fel nosso de cada dia.
Quinze
anos depois, Fídias o encontra num restaurante, com uma nova mulher e um
filhinho.
Mais
ou menos parecido foi o caso da sobrinha dele, que está viva, e namorando, 35
anos depois da ideia fixa de se matar.
O
cotidiano complexo é assim, produz coisas fantásticas, significativas, e
destroçantes, mortificantes, ontologicamente paralisantes. Fídias sempre
resistiu a esses riscos de paralisia existencial e espiritual.
Ainda
bem que ele fez uma filhinha e brinca muito com ela. Sentam-se no chão, fazem
casinhas, piuí, piuí, corre um atrás do outro, gargalham, dançam, cantam, ela
já sabe a música toda que ele canta muitas vezes para ela dormir:
“A lua girou,
girou
marcou no céu
um compasso.
Eu bem queria
fazer
um travesseiro
dos meus braços”.
(Milton
Nascimento)
E ele também já sabe a musiquinha que
ela canta, dança, pula, pedindo-lhe para cantar:
“Piuí, piuí,
piuí abacaxi!”
(Autor: Fídias Teles)
(Autor: Fídias Teles)
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