sexta-feira, 22 de agosto de 2014

CRÔNICA  BELL, POR QUÊ ANTES DA FESTA?




Abro um jornal. De repente uma corrosiva angústia. Fecho o jornal e me pergunto: Meu Deus, que angústia é esta? Algo triste está ocorrendo com alguém a mim ligado. Fico meio ofegante, ainda com o jornal fechado. Respiro fundo, reabro o jornal, na boca um gosto de fel. E o que encontro: a morte de Lindolfo Bell. Recusava ele comemorar aniversario, pois era dia de finados e ele tinha horror da morte. Resolveu comemorar uma vez, agora, mas na primeira semana de dezembro, 60 anos de idade. Duzentas pessoas chegavam a Timbó, e Bell foi internado. Poucos dias depois, o maior poeta de Santa Catarina, um dos maiores do Brasil, vai embora daqui. O boêmio foi sem digerir sua grande festa. Por quê meu Deus?

Lembro-me Bell, no início dos anos 90, há pouco chegado em Santa Catarina, lançava eu um novo livro e expunha mais duas obras. Estava sozinho na mesa do refinado bar. Você chegou, comprou-me três obras minhas. Exageradamente como um bom poeta. Deu uma de presente à sua filha, e incomodou-se com meu ar tristonho naquele momento. Quis me alegrar, e conseguiu. Com seu magnetismo contagiou o público e dezenas de livros saíram da mesa. Bebemos muito, sorrimos demais, poetizamos, filosofamos. Horas depois, você emudece, levanta-se, apruma os passos, não cambaleia, mas um boêmio sente quando o outro está cambaleável. O que me apertou a alma, no entanto, foi um triste amargor que você deixou transparecer. Saiu pelos corredores do “Bistrô” de Blumenau com o ser chorando. Fiquei olhando e pensando:  “Que Figura! Que Figura!”.

Agora, você é puxado daqui. Por quê não após a festa? Por quê não depois de um porre dionisíaco? Por quê não comemorar seu aniversário? Presentes? Só se fosse livros para a Biblioteca de Timbó. Foi o que você pediu. Por quê não os últimos sorrisos? Perco a noite no dia da notícia. Recupero a noite ao chegar em casa onde moro sozinho. Entro em casa concentrado, fixado: “Lindolfo Bell, Lindolfo Bell, Lindolfo Bell! Deus te abençoe mais”. E outro susto: uma estranhíssima bola vermelha no ar faz uma volta ligeira no meu quarto escuro e some. Um arrepio de espanto e encantamento é o que sinto. Pensei: “Foi ele sintonizado agora, antenado, espiritualmente interconectado”.  Foi ele respondendo-me a simplória pergunta: “Por quê Antes da Festa? Foi ele dizendo-me que a festa é provisória, mas a libertação da alma não, é progressiva, infindável. Foi ele dizendo: “Bem que eu não queria comemorar aniversário aí, pois o tempo não existe”. Foi ele afirmando:  “Tudo bem, palmas à boemia. Mas a alma é o reflexo mais convincente da existência do Divino.

Disseram que no velório, você foi visto atrás das flores, todo iluminado. Tenho certeza de que isto é absolutamente verdade. Afinal, dessa maneira, você mostra que alcançou um pedaço enorme da Verdade        que tanto procurou com talento, dignidade e esta exuberante sensibilidade, esta fantástica veia poética, esta magnífica força literária. Portanto, apareceste a mim naquela magnífica bola de fogo, e a outras pessoas, atrás das flores iluminado.

E agora, rindo, com aquele franco, saudável e leve sorriso, brinca comigo, perguntando um pouco decepcionado com o Filósofo: - Que bobagem Fídias – morrer antes ou depois da Festa! Que bobagem diante da maravilha do Ser! (*)



(*) Do livro do autor: “Rachaduras da Alma” págs. 60-61.

Publicado nos seguintes jornais:

 - “A Notícia” – 20/12/98 – Joinville- SC – Anexo 04.

 - “Evolução”  - 18/12/98 – São Bento do Sul – SC – pg.02

 

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