CRÔNICA BELL, POR QUÊ ANTES DA FESTA?
Abro um jornal. De repente
uma corrosiva angústia. Fecho o jornal e me pergunto: Meu Deus, que angústia é
esta? Algo triste está ocorrendo com alguém a mim ligado. Fico meio ofegante,
ainda com o jornal fechado. Respiro fundo, reabro o jornal, na boca um gosto de
fel. E o que encontro: a morte de Lindolfo Bell. Recusava ele comemorar
aniversario, pois era dia de finados e ele tinha horror da morte. Resolveu
comemorar uma vez, agora, mas na primeira semana de dezembro, 60 anos de idade.
Duzentas pessoas chegavam a Timbó, e Bell foi internado. Poucos dias depois, o
maior poeta de Santa Catarina, um dos maiores do Brasil, vai embora daqui. O
boêmio foi sem digerir sua grande festa. Por quê meu Deus?
Lembro-me Bell, no início
dos anos 90, há pouco chegado em Santa Catarina, lançava eu um novo livro e
expunha mais duas obras. Estava sozinho na mesa do refinado bar. Você chegou,
comprou-me três obras minhas. Exageradamente como um bom poeta. Deu uma de
presente à sua filha, e incomodou-se com meu ar tristonho naquele momento. Quis
me alegrar, e conseguiu. Com seu magnetismo contagiou o público e dezenas de
livros saíram da mesa. Bebemos muito, sorrimos demais, poetizamos, filosofamos.
Horas depois, você emudece, levanta-se, apruma os passos, não cambaleia, mas um
boêmio sente quando o outro está cambaleável. O que me apertou a alma, no
entanto, foi um triste amargor que você deixou transparecer. Saiu pelos
corredores do “Bistrô” de Blumenau com o ser chorando. Fiquei olhando e pensando: “Que Figura! Que Figura!”.
Agora, você é puxado
daqui. Por quê não após a festa? Por quê não depois de um porre dionisíaco? Por
quê não comemorar seu aniversário? Presentes? Só se fosse livros para a Biblioteca
de Timbó. Foi o que você pediu. Por quê não os últimos sorrisos? Perco a noite
no dia da notícia. Recupero a noite ao chegar em casa onde moro sozinho. Entro
em casa concentrado, fixado: “Lindolfo Bell, Lindolfo Bell, Lindolfo Bell! Deus
te abençoe mais”. E outro susto: uma estranhíssima bola vermelha no ar faz uma
volta ligeira no meu quarto escuro e some. Um arrepio de espanto e encantamento
é o que sinto. Pensei: “Foi ele sintonizado agora, antenado, espiritualmente
interconectado”. Foi ele respondendo-me
a simplória pergunta: “Por quê Antes da Festa? Foi ele dizendo-me que a festa é
provisória, mas a libertação da alma não, é progressiva, infindável. Foi ele
dizendo: “Bem que eu não queria comemorar aniversário aí, pois o tempo não
existe”. Foi ele afirmando: “Tudo bem,
palmas à boemia. Mas a alma é o reflexo mais convincente da existência do
Divino.
Disseram que no velório,
você foi visto atrás das flores, todo iluminado. Tenho certeza de que isto é
absolutamente verdade. Afinal, dessa maneira, você mostra que alcançou um
pedaço enorme da Verdade que tanto
procurou com talento, dignidade e esta exuberante sensibilidade, esta
fantástica veia poética, esta magnífica força literária. Portanto, apareceste a
mim naquela magnífica bola de fogo, e a outras pessoas, atrás das flores
iluminado.
E agora, rindo, com aquele
franco, saudável e leve sorriso, brinca comigo, perguntando um pouco
decepcionado com o Filósofo: - Que bobagem Fídias – morrer antes ou depois da
Festa! Que bobagem diante da maravilha do Ser! (*)
(*)
Do livro do autor: “Rachaduras da Alma” págs. 60-61.
Publicado
nos seguintes jornais:
- “A Notícia” – 20/12/98 – Joinville- SC –
Anexo 04.
- “Evolução”
- 18/12/98 – São Bento do Sul – SC – pg.02
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